Mary vai à terapia

Na segunda sessão de terapia, mal a doutora perguntou e aí? Mary desabou a chorar, e não parava, não parava, não parava, não conseguia parar. Mas Mary é espertinha, e sabe que o tempo corre, de repente eu pago e não falei nada. Sobre uma linda mesinha havia uma caixinha de lenços, da qual Mary se utilizou.


- Doutora, na verdade nem eu sei bem. Eu fiquei assim depois que vi a moça paralítica lá na novela, tetraplégica doutora, só pode mexer a cabeça de cá pra lá. E aí não paro mais de pensar nisso e chorar...


A doutora esperou passar um tempo para Mary se acalmar, e finalmente disse: Mary, isso é transferência. Em algum ponto, você se identificou com ela.


- Identificar, eu, imagina. Eu sou livre doutora, vou e venho, faço que faço, minha vida é uma pilha só...


- Fale mais sobre essa “pilha só”.


- Tipo: hoje acordei, arrumei meu apê, botei a roupa na máquina, consultei o saldo do banco, vi que um carinha não me pagou, sabe, ele contratou uma fantasia de enfermeira, fantasia é quinhentos paus, ele só pagou duzentos e cinquenta, disse que pagava o resto ontem. Peguei o telefone, dei um esbregue nele, disse que conto pra esposa e coisa e tal, e conto mesmo, e pior, mostro as fotos, porque no meu celu eu fotografo tudo na hora que o cara não está vendo. Depois fui a casa do Déo....


- Porque tanto você vai na casa do Déo?


- Ele me arruma clientes. - Cobra? Er, sim, as vezes. As vezes eu pago com serviço, vou ao Banco pra ele, ajeito a roupa, faço compras pra geladeira, uma mão lava a outra e...


- Sim, e aí, o que mais você fez?


- Dei um jeito no cabelo, na unha, separei a roupa que vou usar de noite, vou acompanhar um executivo...é...transar, é...


- Depois fui ao médico. - Você está doente? - Não, doutora, é que na vida que eu levo é preciso cuidar muito, tem cara que exige sem camisinha...


- É isso, arrematou a Maryzinha, e viu que o horário da sessão estava acabando. Que pena, pensou, e eu nem comecei.


- Então fica assim, disse a japonesa, ou melhor, a nissei. Você vai pra casa pensando em que pontos a sua liberdade – ou falta de liberdade – fazem de você uma espécie de tetraplégica psíquica, tetraplégica existencial.


- O que!!!

- Pense, Maria Puríssima, pense.


Se vocês pensam que Mary gostou da sessão, ela não gostou não, saiu de lá putíssima, tetraplégica existencial, eu??? Uma pessoa de luta feito eu, ela que vá se catá, não volto mais lá não.


Mas inexplicavelmente, ainda sentia uma puta vontade de chorar.


E vocês ficaram sabendo que o verdadeiro nome dela é Maria Puríssima. Maria Puríssima Del Carmen Fernandez, porque a mãe dela era espanhola.

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